quinta-feira, 30 de abril de 2009

A gripe suína e o monstruoso poder da indústria pecuária


Em 1965, havia nos EUA 53 milhões de porcos espalhados entre mais de um milhão de granjas. Hoje, 65 milhões de porcos concentram-se em 65 mil instalações. Isso significou passar das antiquadas pocilgas a gigantescos infernos fecais nos quais, entre esterco e sob um calor sufocante, prontos a intercambiar agentes patógenos à velocidade de um raio, amontoam-se dezenas de milhares de animais com sistemas imunológicos debilitados. Cientistas advertem sobre o perigo das granjas industriais: a contínua circulação de vírus nestes ambientes aumenta as oportunidades de aparição de novos vírus mais eficientes na transmissão entre humanos. A análise é de Mike Davis,é professor no departamento de História da Universidade da Califórnia (UCI), em Irvine, e um especialista nas relações entre urbanismo e meio ambiente. Ex-caminhoneiro, ex-açogueiro e ex-militante estudantil, Davis é colaborador das revistas New Left Review e The Nation, e autor de vários livros, entre eles Ecologia do Medo, Holocaustos coloniais, O monstro bate a nossa porta (editora Record), e Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles (Boitempo).

O artigo foi, originalmente, publicado pelo jornal The Guardian (27/04/2009), traduzido pelo sítio Sin Permiso e reproduzido pela Carta Maior, 29-04-2009.

Eis o artigo.

A gripe suína mexicana, uma quimera genética provavelmente concebido na lama fecal de um criadouro industrial, ameaça subitamente o mundo inteiro com uma febre. Os brotos na América do Norte revelam uma infecção que está viajando já em maior velocidade do que aquela que viajou a última cepa pandêmica oficial, a gripe de Hong Kong, em 1968.

Roubando o protagonismo de nosso último assassino oficial, o vírus H5N1, este vírus suíno representa uma ameaça de magnitude desconhecida. Parece menos letal que o SARS (Síndrome Respiratória Aguda, na sigla em inglês) em 2003, mas como gripe, poderia resultar mais duradoura que a SARS. Dado que as domesticadas gripes estacionais de tipo “A” matam nada menos do que um milhão de pessoas ao ano, mesmo um modesto incremento de virulência, poderia produzir uma carnificina equivalente a uma guerra importante.

Uma de suas primeiras vítimas foi a fé consoladora, predicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na possibilidade de conter as pandemias com respostas imediatas das burocracias sanitárias e independentemente da qualidade da saúde pública local. Desde as primeiras mortes causadas pelo H5N1 em 1997, em Hong Kong, a OMS, com o apoio da maioria das administrações nacionais de saúde, promoveu uma estratégia centrada na identificação e isolamento de uma cepa pandêmica em seu raio local de eclosão, seguida de uma massiva administração de antivirais e, se disponíveis, vacinas para a população.

Uma legião de céticos criticou esse enfoque de contrainsurgência viral, assinalando que os micróbios podem agora voar ao redor do mundo – quase literalmente no caso da gripe aviária – muito mais rapidamente do que a OMS ou os funcionários locais podem reagir ao foco inicial. Esses especialistas observaram também o caráter primitivo, e às vezes inexistente, da vigilância da interface entre as enfermidades humanas e as animais. Mas o mito de uma intervenção audaciosa, preventiva (e barata) contra a gripe aviária resultou valiosíssimo para a causa dos países ricos que, como os Estados Unidos e a Inglaterra, preferem investir em suas próprias linhas Maginot biológicas, ao invés de incrementar drasticamente a ajuda às frentes epidêmicas avançadas de ultra mar. Tampouco teve preço esse mito para as grandes transnacionais farmacêuticas, envolvidas em uma guerra sem quartel com as exigências dos países em desenvolvimento empenhados em exigir a produção pública de antivirais genéricos fundamentais como o Tamiflu, patenteado pela Roche.

A versão da OMS e dos centros de controle de enfermidades, que já trabalha com a hipótese de uma pandemia, sem maior necessidade novos investimentos massivos em vigilância sanitária, infraestrutura científica e reguladora, saúde pública básica e acesso global a medicamentos vitais, será agora decisivamente posta a prova pela gripe suída e talvez averigüemos que pertence à mesma categoria de gestão de risco que os títulos e obrigações de Madoff. Não é tão difícil que fracasse o sistema de alertas levando em conta que ele simplesmente não existe. Nem sequer na América do Norte e na União Européia.

Não chega a ser surpreendente que o México careça tanto de capacidade como de vontade política para administrar enfermidades avícolas ou pecuárias, pois a situação só é um pouco melhor ao norte da fronteira, onde a vigilância se desfaz em um infeliz mosaico de jurisdições estatais e as grandes empresas pecuárias enfrentam as regras sanitárias com o mesmo desprezo com que tratam aos trabalhadores e aos animais.

Analogamente, uma década inteira de advertências dos cientistas fracassou em garantir transferências de sofisticadas tecnologias virais experimentais aos países situados nas rotas pandêmicas mais prováveis. O México conta com especialistas sanitários de reputação mundial, mas tem que enviar as amostras a um laboratório de Winnipeg para decifrar o genoma do vírus. Assim se perdeu toda uma semana.

Mas ninguém ficou menos alerta que as autoridades de controle de enfermidades em Atlanta. Segundo o Washington Post, o CDC (Centro de Controle de Doenças) só percebeu o problema seis dias depois de o México ter começado a impor medidas de urgência. Não há desculpas para justificar esse atraso. O paradoxal desta gripe suína é que, mesmo que totalmente inesperada, tenha sido prognosticada com grande precisão. Há seis anos, a revista Science publicou um artigo importante mostrando que “após anos de estabilidade, o vírus da gripe suína da América do Norte tinha dado um salto evolutivo vertiginoso”.

Desde sua identificação durante a Grande Depressão, o vírus H1N1 da gripe suína só havia experimentado uma ligeira mudança de seu genoma original. Em 1998, uma variedade muito patógena começou a dizimar porcas em uma granja da Carolina do Norte, e começaram a surgir novas e mais virulentas versões ano após ano, incluindo uma variante do H1N1 que continha os genes do H3N2 (causador da outra gripe de tipo A com capacidade de contágio entre humanos).

Os cientistas entrevistados pela Science mostravam-se preocupados com a possibilidade de que um desses híbridos pudesse se transformar em um vírus de gripe humana – acredita-se que as pandemias de 1957 e de 1968 foram causadas por uma mistura de genes aviários e humanos forjada no interior de organismos de porcos – e defendiam a criação urgente de um sistema oficial de vigilância para a gripe suína: advertência, cabe dizer, que encontrou ouvidos surdos em Washington, que achava mais importante então despejar bilhões de dólares no sumidouro das fantasias bioterroristas.

O que provocou tal aceleração na evolução da gripe suína: Há muito que os estudiosos dos vírus estão convencidos que o sistema de agricultura intensiva da China meridional é o principal vetor da mutação gripal: tanto da “deriva” estacional como do episódico intercâmbio genômico. Mas a industrialização empresarial da produção pecuária rompeu o monopólio natural da China na evolução da gripe. O setor pecuário transformou-se nas últimas décadas em algo que se parece mais com a indústria petroquímica do que com a feliz granja familiar pintada nos livros escolares.

Em 1965, por exemplo, havia nos Estados Unidos 53 milhões de porcos espalhados entre mais de um milhão de granjas. Hoje, 65 milhões de porcos concentram-se em 65 mil instalações. Isso significou passar das antiquadas pocilgas a gigantescos infernos fecais nos quais, entre esterco e sob um calor sufocante, prontos a intercambiar agentes patógenos à velocidade de um raio, amontoam-se dezenas de milhares de animais com sistemas imunológicos muito debilitados.

No ano passado, uma comissão convocada pelo Pew Research Center publicou um informe sobre a “produção animal em granjas industriais”, onde se destacava o agudo perigo de que “a contínua circulação de vírus (...) característica de enormes aviários ou rebanhos aumentasse as oportunidades de aparição de novos vírus mais eficientes na transmissão entre humanos”. A comissão alertou também que o uso promíscuo de antibióticos nas criações de suínos – mais barato que em ambientes humanos – estava propiciando o surgimento de infecções de estafilococos resistentes, enquanto que os resíduos dessas criações geravam cepas de escherichia coli e de pfiesteria (o protozoário que matou um bilhão de peixes nos estuários da Carolina do Norte e contagiou dezenas de pescadores).

Qualquer melhora na ecologia deste novo agente patógeno teria que enfrentar-se com o monstruoso poder dos grandes conglomerados empresariais avícolas e pecuários, como Smithfield Farms (suíno e gado) e Tyson (frangos). A comissão falou de uma obstrução sistemática de suas investigações por parte das grandes empresas, incluídas algumas nada recatadas ameaças de suprimir o financiamento de pesquisadores que cooperaram com a investigação.

Trata-se de uma indústria muito globalizada e com influências políticas. Assim como a gigante avícola Charoen Pokphand, sediada em Bangkok, foi capaz de desbaratar as investigações sobre seu papel na propagação da gripe aviária no sudeste asiático, o mais provável é que a epidemiologia forense do vírus da gripe suína bata de frente contra a pétrea muralha da indústria do porco.

Isso não quer dizer que nunca será encontrada uma acusadora pistola fumegante: já corre o rumor na imprensa mexicana de um epicentro da gripe situado em torno de uma gigantesca filial da Smithfield no estado de Vera Cruz. Mas o mais importante – sobretudo pela persistente ameaça do vírus H5N1 – é a floresta, não as árvores: a fracassada estratégia antipandêmica da OMS, a progressiva deterioração da saúde pública mundial, a mordaça aplicada pelas grandes transnacionais farmacêuticas a medicamentos vitais e a catástrofe planetária que é uma produção pecuária industrializada e ecologicamente bagunçada.



retirado de: www.unisinos.br/ihu

segunda-feira, 27 de abril de 2009



Cidade do México, ontem

A imagem acima é muito significativa.
Ela demonstra como, em sua estrutura mais fundamental (o monopólio legítimo da violência), o aparelho do Estado Moderno se assenta sobre a gerência das populacoes entendidas como comunidades acima de tudo biológicas. É o que tem demonstrado as respostas governamentais à ameaca de uma pandemia suína até agora concentrada no México, mas possível de irradiar-se por todo o globo. Nao é apenas uma questao sanitária ou epidemiológica. Fala-se já sobre efeitos na economia, nas bolsas, nas viagens internacionais e no fluxo de turistas, bens e mercadorias. Cogita-se fecharem fronteiras; paralisa-se a atividade normal de uma das maiores metrópoles do mundo. Isso é sem dúvida um fenômeno multidimensional e evidencia como, ao fim e ao cabo, o mundo em que vivemos está assentado sobre a existência biológica dos cidadaos.
É redundancia falar em vida biológica? Nao num sentido forte. Os gregos utilizavam duas palavras para o que chamamos de vida. Uma delas é "bios". A outra, "zoe". Pela primeira, entendia-se a vida qualificada, possivel de predicacao. Era a vida do logos e da polis, de onde vem a famosa qualificacao do homem como "bios politikos". Através da segunda, denotava-se a existência puramente corporal dos seres vivos, sua continuidade orgânica e o denominador comum entre deuses, homens, animais e plantas.
Como bem demonstra o Giorgio Agamben (na esteira, claro, do Foucault), o estado moderno e sua possibilidade mais íntima, i.e., declarar o estado de excecao (segundo ele, a possibilidade mais radical do Estado e fundamento oculto do seu poder), se assentam justamente sob a prerrogativa de dispor, quando necessário, dos seus cidadaos sob a forma de corpos administráveis, gerenciáveis, como é o caso do que hoje está acontecendo no México e, dependendo do andar da coisa, pode vir a acontecer em outros lugares.
O estado de excecao (total ou, por exemplo, sanitário) permite com que a autoridade constituída disponha e intrometa-se no corpo dos cidadaos da forma que lhe parecer mais conveniente. Sob a lei, somos bíos. Sob o estado de excecao, somos Zoé. É bastante simples e muito deprimente. Principalmente quando pensamos que a lei, ou, melhor dizendo, o estado em que somos "viventes qualificados", só se aplica em condicoes "normais". Para todo o resto - as "excecoes" - faz valer o estado de excecao. E quem identifica quando ultrapassou-se a membrana da normalidade e adentrou-se no estado de excecao? Basicamente, o mesmo que dispoe do poder de declará-lo. Essas suspensoes da normalidade tem acontecido cada vez mais e, perigosamente, sempre sob o argumento da prevencao contra "possiveis ameacas", sejam elas pandemias, vendavais financeiros, terroristas islâmicos ou potenciais agressoes vindas de antigas partes do seu território hoje independentes (como foi o caso, a meu ver, da guerra contra a Geórgia perpetrada pela Russia no ano passado).

É por isso que eu nao vejo melhor predicacao para o atual período histórico como aquele em que a biopolítica se encaminha para a realizacao quase completa de suas possiblidades - quica a anulacao da lei em prol de um estado de excecao perene, o que, ao final das contas, nada mais é que a execao tornada regra. E o nome disso, bem sabemos, é totalizacao.

sexta-feira, 24 de abril de 2009




A política (com "p" minúsculo) tem ficado cada vez mais deprimente no Brasil. Eu nem sei mais o que dizer sobre essa história das passagens, o delegado Protógenes, a troca de farpas no plenário do Supremo. Acho que num ponto desses a gente só pode mesmo tirar sarro. Essa foto, por exemplo, é muito engracada. Do que o Temer e o Mendes estao rindo? Também gostaria de rir com eles. Como é bom tomar o cafezinho de Brasília!
A culpa, claro, é da "imprensa" (adoro entidades etéreas) que está fazendo uma "campanha" (idem) para desacreditar o Congresso Nacional e as instituicoes democráticas (em que sentido democráticas? só porque eles sao eleitos?).
Eu também: se tivesse passagens a granel distribuiria pra quem eu pudesse entre parentes e conhecidos, num cenário em que a regulamentacao é muito vaga e abre espaco para a livre interpretacao. Algumas dessas passagens, inclusive, foram distribuidas em nome de bonitos projetos, como a brava luta da Luciana Genro contra a corrupcao. É assim, me parece, que se justifica o pagamento de bilhetes aéreos ao delegado Protógenes fazer suas palestras Brasil afora.
É igualmente cômico a tentativa desse cara elevar-se à condicao de último justiceiro da república. Evidente que comprar briga com o Daniel Dantas é algo louvável, mas nao justifica excessos. Principalmente aqueles que implicam na quebra generalizada do sigilo de meio mundo.
Esses dias eu vi no site do próprio (http://blogdoprotogenes.com.br/) ou em algum outro lugar - nao lembro - uma animacao que dizia "protege-nos, Protógenes". Alguem pode me dizer o que é isso? Messianismo? Eu tenho muito medo dessas coisas. Ainda mais com esse nome. Protógenes lembra algo pretoriano. Golpes contra a república romana ou coisa que o valha.

sexta-feira, 3 de abril de 2009



Algum lugar entre Zurique e Bellinzona


A Europa Ocidental é composta de uma grande massa continental e três importantes ilhas: Irlanda, Gra-Bretanha e Suica.
A diferenca entre as duas primeiras e a segunda é que elas sim, sao cercadas de água por todos os lados. Consequências políticas e culturais acabam sendo inevitáveis. Por parte da Inglaterra, nao adotar o Euro, por exemplo.
Mas a Suica é um caso raro, uma insularidade absurda. Três línguas oficiais, sendo uma delas um alemao horrivelmente gutural e impronunciável, como se estivesse saindo das próprias vísceras das pessoas.
Mal se crusa a fronteira e já se sente as diferencas por todos os lados, como se os Alpes fossem uma barreira de impermeabilidade e imunidade contra tudo e contra todos. Cuidar do dinheiro alheio, claro, contribui muito para ninguém lhe incomodar. Mas mesmo assim é absurdo, difícil de compreender, um país como a Suica.