Cidade do México, ontem
A imagem acima é muito significativa.
Ela demonstra como, em sua estrutura mais fundamental (o monopólio legítimo da violência), o aparelho do Estado Moderno se assenta sobre a gerência das populacoes entendidas como comunidades acima de tudo biológicas. É o que tem demonstrado as respostas governamentais à ameaca de uma pandemia suína até agora concentrada no México, mas possível de irradiar-se por todo o globo. Nao é apenas uma questao sanitária ou epidemiológica. Fala-se já sobre efeitos na economia, nas bolsas, nas viagens internacionais e no fluxo de turistas, bens e mercadorias. Cogita-se fecharem fronteiras; paralisa-se a atividade normal de uma das maiores metrópoles do mundo. Isso é sem dúvida um fenômeno multidimensional e evidencia como, ao fim e ao cabo, o mundo em que vivemos está assentado sobre a existência biológica dos cidadaos.
É redundancia falar em vida biológica? Nao num sentido forte. Os gregos utilizavam duas palavras para o que chamamos de vida. Uma delas é "bios". A outra, "zoe". Pela primeira, entendia-se a vida qualificada, possivel de predicacao. Era a vida do logos e da polis, de onde vem a famosa qualificacao do homem como "bios politikos". Através da segunda, denotava-se a existência puramente corporal dos seres vivos, sua continuidade orgânica e o denominador comum entre deuses, homens, animais e plantas.
Como bem demonstra o Giorgio Agamben (na esteira, claro, do Foucault), o estado moderno e sua possibilidade mais íntima, i.e., declarar o estado de excecao (segundo ele, a possibilidade mais radical do Estado e fundamento oculto do seu poder), se assentam justamente sob a prerrogativa de dispor, quando necessário, dos seus cidadaos sob a forma de corpos administráveis, gerenciáveis, como é o caso do que hoje está acontecendo no México e, dependendo do andar da coisa, pode vir a acontecer em outros lugares.
O estado de excecao (total ou, por exemplo, sanitário) permite com que a autoridade constituída disponha e intrometa-se no corpo dos cidadaos da forma que lhe parecer mais conveniente. Sob a lei, somos bíos. Sob o estado de excecao, somos Zoé. É bastante simples e muito deprimente. Principalmente quando pensamos que a lei, ou, melhor dizendo, o estado em que somos "viventes qualificados", só se aplica em condicoes "normais". Para todo o resto - as "excecoes" - faz valer o estado de excecao. E quem identifica quando ultrapassou-se a membrana da normalidade e adentrou-se no estado de excecao? Basicamente, o mesmo que dispoe do poder de declará-lo. Essas suspensoes da normalidade tem acontecido cada vez mais e, perigosamente, sempre sob o argumento da prevencao contra "possiveis ameacas", sejam elas pandemias, vendavais financeiros, terroristas islâmicos ou potenciais agressoes vindas de antigas partes do seu território hoje independentes (como foi o caso, a meu ver, da guerra contra a Geórgia perpetrada pela Russia no ano passado).
É por isso que eu nao vejo melhor predicacao para o atual período histórico como aquele em que a biopolítica se encaminha para a realizacao quase completa de suas possiblidades - quica a anulacao da lei em prol de um estado de excecao perene, o que, ao final das contas, nada mais é que a execao tornada regra. E o nome disso, bem sabemos, é totalizacao.
Um comentário:
ótimo!
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