sábado, 13 de dezembro de 2008

"Freiheit stirbt mit Sicherheit" ?



Stuttgart, 6.12

Um dos pilares da democracia alema é a chamada Versammlungsgesetz, lei que garante e regula o direito de reuniao pública.
Recentemente foi proposto em vários estados (Bundesländer) o recrudescimento desta lei, o que implicaria em maiores restricoes para manifestacoes públicas, protestos, demonstracoes civis.
O argumento elencado pelos defensores do recrudescimento da Versammlungsgesetz é, como em muitos casos que vem se repetindo pelo mundo, a "manutencao da seguranca", seja lá o que isso significa.
Pela "seguranca", nestes últimos anos, vários Estados ao redor do globo arrogaram-se o direito de vigiar seus cidadaos através da quebra de sigilos telefonico, postal, bancário e virtual. Este é um movimento crescente e cujos efeitos também ecoam no Brasil, onde um número expressivo de pessoas tiveram seus sigilos telefonicos quebrados através de processos conduzidos nas esferas do Estado. Nem precisa se dizer nada sobre o semi-estado de excecao implantado nos Estados Unidos após a promulgacao do Ato Patriótico e os atentados de 11 de setembro, que também serviram para legitimar barbarismos como Guantánamo e o derramamento de sangue no Iraque.

Por motivos de "seguranca", os Estados tem se tornado perigosamente grandes. Os muito liberais tem medo de um Estado que seja grande em termos economicos. Seguem afirmando que liberdade economica implicaria quase que mecanicamente em liberdade civil e política. O que explicaria entao, que no momento historico em que mais liberal se foi na economia, com o capital especulativo fazendo o que fez, o Estado tenha cometido tantos atos de excecao da liberdade - e ainda esteja, como demonstra o recrudescimento da Versammlungsgesetz na Alemanha, disposto a ampliar sua esfera de controle sobre os cidadaos?
Das duas solucoes uma: ou bem liberalismo economico extremo nao possui relacao essencial e necessaria com liberdade política (é dizer, mercado e estado policial podem conviver muito bem e, em última medida, serem mui amigos), ou bem o estado recrudescido é garantia para a liberdade economica extrema - nao na esfera da economia, evidente, mas na esfera da sociedade, onde sem dúvida nenhuma, quem detém o monopólio da violencia detem absurdamente muita coisa.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008




"- Eu dou minha autorização ao Partido Socialista Unido da Venezuela, ao povo venezuelano, para que iniciem um debate e as ações para conseguir uma emenda constitucional e a reeleição do Presidente da República - disse Chávez no ato transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão. - Estou certo de que agora vamos conseguir, vamos mostrar quem manda na Venezuela - acrescentou, arrancando aplausos da platéia."

Hugo Chávez, ontem, em Caracas

Tem gente que precisa aprender a lidar com a finitude. Chavez é uma dessas pessoas.
Parece ser inconcebível para ele que o poder nao possa se confundir com a sua própria pessoa e vice-versa. Um pouco de John Rawls e Levinas poderiam ser bons para sua cabecinha, por mais que sejam leituras um tanto "aburridas".

quarta-feira, 26 de novembro de 2008




Holzmarkt, Tübingen

segunda-feira, 17 de novembro de 2008




Praca do Comércio, Lisboa


A sensacao de ter alguém sempre lá, em segundo plano.
Mas sempre interferindo no primeiro.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Madri




Calle de Alcalá, Madrid


Madri é uma cidade louca. É a metáfora perfeita da cidade-organismo, de um ser vivo composto de anatomia e fisiologia finamente acabadas, nas quais as avenidas sao verdadeiras artérias e as pessoas sao como monadas (aquelas do "conselheiro áulico Leibniz", como disse Borges) que singelamente refletem a grandiosidade do todo - seja o sujeito mirradinho tocando realejo na Puerta del Sol, o executivo apressado na Calle Ortega y Gasset, a colombiana na estacao Diego de León ou criancinha que desfralda a bandeira para o rei no dia da Hispanidade. Madri é uma cidade de muitos tipos humanos, tantos que a gente até cansa de enumerá-los. O que o velhinho que acompanha os touros na arena de Ventas desde 1958 - anotando tudo o que acontece num caderninho de couro preto - tem a ver com a drag queen pintosa de Chueca? Talvez o mesmo que a atendente nicaragüenha do Mc Donalds tem com as idosas senhoras surpreendentemente ativas à partir das 23h: absolutamente nada e potencialmente tudo.
Em algum lugar se le que o que caracteriza a vida metropolitana é a proximidade concreta de muitas pessoas que vivem em mundos simbólicos completamente diferentes e até mesmo equidistantes. É na metrópole que os encontros mais inusitados sao potencias prestes a serem realizadas a qualquer momento, basta que ruídos interferiram na fina membrana que separa os distintos universos que se chocam dia a dia no metro, na calcada, no café, no parque. Isso é um bom indício do que seja Madri e do que se pode tirar dela. Como poucos lugares no mundo, tudo o que de mais humano existe é catalizado e exponenciado na densamente povoada capital da Espanha, seja algo bom, algo ruim ou qualquer outra coisa perdida no amplo espaco existente entre estas duas extremidades; espaco este, quem sabe, correspondente ao território de Madri, sem tirar nem por: bonito e alegre da Porta de Atocha até as vizinhancas de Alcalá de Henares.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Belleville




Metropolitain de Paris, Belleville


Belleville é um bairro a oeste de Paris, pelo 19. ou 20. arrondissement. Atualmente serve de moradia e local de trabalho para um significativo número de imigrantes, provenientes de várias partes do mundo. Restaurantes chineses, coreanos e vietnamitas proliferam em cada esquina. De um lado da rua ve-se um turco cuidando da sua loja de tecidos; do outro, um grego vendendo crepes. Anúncios de brasileiros que dao aula de capoeira, um russo ou um búlgaro de tracos neandertalescos pedindo esmola.
Belleville é onde Paris comeca a nao ser mais o seu próprio estereótipo e fica colorida de um jeito muito notável, como o lenco dessa mulher. Perto dali também fica o famoso Père Lachaise, onde Pierre Bourdieu, Heloisa e Abelardo, Piaf, Auguste Comte e Jim Morrisson aproveitam o sono dos justos.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O que se tira de um seminário em Tübingen




Na última aula do seminário "Aristoteles, Poetik" o assistente do professor - um sujeitinho magro e de espessos óculos redondos chamado Dirk, singelo demais para a erudicao que demonstrou - nos conduziu dialeticamente ao seguinte raciocinio:

a) Primeiro Sócrates, através de Platao (ou Platao, através de Sócrates, o que é mais provável), diz que a arte é condenável, enganosa, conduz ao erro e à ilusao (Rep. X, 598b). Ela é somente imitacao de objetos existentes e, bem por isso, carece de densidade ontológica. A arte nao só está longe da verdade como é sua inimiga, uma vez que distraindo os homens ela os desvirtua do sua vocacao epistemológica.

b) Mesmo nao rompendo com a idéia de imitacao como essencia da arte (Poet. I, 1447a), Aristóteles argumentará justamente o contrário. À saber: arte e poesia sao sim formas legitimas de conhecimento. Justamente por se embasarem na imitacao (mimesis) é que elas possuem seu valor epistemico. Entende-se porque da seguinte maneira:
- Para Aristóteles, todos os homens desejam por natureza o conhecimento (Met. I, 1). Adquirir conhecimento é a própria natureza do ser humano, e todos os seres humanos se satisfazem quando adquirem qualquer sorte de conhecimento;
- Esta satisfacao se deriva do fato de que, para Aristóteles, felicidade é a realizacao de uma potencia existente em sua natureza;
- Na Poética, lemos que é através da imitacao que adquirimos nossos primeiros conhecimentos e que essa capacidade radica em nossa natureza(Poet., IV, 1448b). No mesmo trecho ainda se le que os objetos produzidos pela mimesis satisfazem os homens porque através deles podemos reconhecer os objetos concretos aos quais se referem e também temos a oportunidade de contemplar seres que na realidade nos causam repulsa ou aversao, como "animais repugnantes e cadáveres" (é dizer, podemos conhecer o aparentemente insuportável);
- A essencia da arte é a imitacao. As formas desenvolvidas da poética (Tragédia, Comédia, etc.) radicam na imitacao de homens bons ou maus, bem como de seus feitos e acoes;
- Mimetizar é conhecer. A essencia da arte é a mimesis. Logo, a arte é uma forma de conhecimento, apta a falar da verdade e contribuir para a realizacao da nossa natureza epistemológica.

Como na maioria das vezes, prefiro ficar com Aristóteles, por mais que no fundo Platao seja - paradoxalmente - o mais mimetico dos dois: é um excelente dramaturgo.
Dizem que Aristóteles escreveu diálogos. Pouco importa. O que entrou pra história sob o adjetivo "aristotélico" foram esses tratados que elogiam diálogos, enquanto que Platao produziu diálogos que fazem apologias a tratados, a essa forma grave e tediosa de expor alguma idéia. Bancando o Shakespeare com Sócrates e seus interlocutores, Platao era feliz e nem sabia. Problema é todo dele. Que viva numa cidade sem teatro. Chata e áspera como a "Metafísica".

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Brincando de espelhos com Borges



Como é de praxe com Borges, em cujos contos a gente nunca sabe o que é verdade e o que é ficcao, cometi um erro no post abaixo que vale a pena corrigir.
Nao é o bibliotecário do conto que é cego, mas o próprio Borges - também ele um bibliotecário - o fora na vida real. O primeiro bibliotecário é predicado pelo segundo somente como "imperfeito", o que se refere antes à sua limitacao frente a imensa tarefa de compreender uma biblioteca interminável do que a um acidente físico propriamente dito.

De qualquer forma, vem bem a calhar uma aproximacao entre a cegueira do bibliotecário borges e a finitude do bibliotecário ficcional. Talvez elas sejam a mesma cegueira, ou a mesma finitude, vai se saber. Do ponto de vista da curiosidade literária, em "O nome da rosa", Umberto Eco se aproveitou desse jogo de espelhos e colocou um monge chamado Jorge de Burgos para cuidar da biblioteca de seu mosteiro imaginário.

O monge impede que o conteúdo do suposto segundo volume da "Poética" de Aristóteles seja publicizado por aqueles que o leem. Disso decorre uma serie de assassinatos que William de Baskerville, monge ingles (portanto nominalista) é chamado para desvendar. Borges era um ávido leitor de romances policiais. "O cao dos Baskerville" é o nome de um dos principais livros de Sir A. C. Doyle sobre Sherlock Holmes, que como os monges nominalistas da Idade Média resolvia problemas complicadissimos de logica aplicando a velha regra de nao proliferacao indevida dos entes para falar de realidades simples.

A Borges encantavam as relacoes absurdas entre fatos e personagens da historia e da ficcao: um livro imaginario que comenta um livro verdadeiro; ou mesmo um livro verdadeiro que, em algum dos seus contos, comenta um livro imaginário (como esse segundo volume da Poética, a história mais mal contada da história da filosofia). Vários de seus amigos - e ele mesmo - sao personagens de suas histórias, seja diretamente ("eu e Bioy Casares estávamos...") ou metaforicamente, como o bibliotecário acima citado.
Também lhe encantavam as doutrinas do tempo cíclico e a velha discussao sobre predestinacao e liberdade. Quem sabe estivesse nos seus planos que Umberto Eco escreveria um livro se aproveitando da sua pessoa para criar uma personagem; quem sabe também planejara o meu próprio erro, que o confundiu com seu bibliotecário de mentirinha e, a partir disso, desencadeou-se um enorme texto sobre si, sobre Eco, monges copistas, nominalismo, Sir Arthur Conan Doyle (Consequentemente, isto faria do meu erro apenas um erro aparente, pois, dentro de um grande sistema predeterminado por Borges ele seria o fato necessário para que tal discussao se iniciasse).

E com este tipo de questao-espelho (por que elas só se refletem, nao acrescentam nada de útil à realidade) o labirinto se expande, até o ponto de precisarmos determinar um fim: ligar o aquecedor, por exemplo. Ontem nevou em Tübingen, pela primeira vez na estacao.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

esclarecimentos sobre o nome

O nome do blog é mais fruto da minha estupenda falta de criatividade do que algum tipo de insight ou coisa parecida. Tentei registrar simplesmente como "bibliotecadebabel". Obviamente, algum fa de J.L. Borges teve essa idéia antes de mim. Depois tentei variacoes sobre o mesmo tema: "bibliotecasdebabel", "biblioteca_de_babel" e todas as combinacoes possiveis dessas tres palavras (evidentemente em sua ordem certa) e os sinais de _, que o blogger, ao final, nao aceita. Acabei assumindo a personagem do próprio bibliotecário; aquele que, no conto, é cego, mas mesmo assim nao desiste de compreender a biblioteca (modo como Borges enxergava o mundo, sem dúvida, bastante original) em que vive.

Inaugurando...




A idéia de ter um blog sempre passou pela minha cabeca, mas nunca com forca suficiente para efetivá-la. No entanto, estar em Tübingen faz com que essa vontade se reforce, até o ponto em que, como bem agora se ve, ela possa se realizar. Sem dúvida nenhuma, estar longe de casa nos faz pensar. E aqui se pensa muito: nao só pela excentricidade da experiencia como também pelos longos momentos em que nao temos nada para fazer e só nos resta criar elocubracoes inúteis sobre a gente mesmo e sobre as coisas. Creio que nao faz mal nenhum compartilhá-las. É até bom que seja assim. Se nao gravamos o que pensamos - seja manuscrita ou digitalmente - é muito possível que o pensado de dois, tres, cinco, vinte anos atrás se perca entre as várias sinapses que comportam a nossa memória.
Nao é minha intencao um blog confessional ou algo dessa natureza. Tampouco quero ter um diário de viagem, no melhor estilo Marco Polo. Apenas um suporte para aquilo que volta e meia eu penso. Quem sabe alguma coisa interessante saia dessas consideracoes.
É bem possível que este seja já o último texto em primeira pessoa de todo o blog. Nao gosto de escrever através do "eu". Ainda me falta muita experiencia para isso. O eu em si já é uma coisa pesada, difícil de se considerar seriamente. Se um dia me for possível falar de mim satisfatoriamente, categoricamente, prefiro anular com uma borracha tudo que foi dito. O que aparecerá aqui serao impressoes, ilustradas bem ou mal por fotografias. Às vezes sim, às vezes nao.

Esta aí de cima foi capturada na beira do Rio Neckar, curso d'água tímido e ralo que corta Tübingen em duas. As folhas denunciam o outono, que aqui verdadeiramente acontece. Quem realmente acha que o sul do Brasil possui as quatro estacoes "bem definidas" (por algum motivo adoramos dizer isso) precisa conhecer a zona temperada. Outono com árvores vermelhas e amarelas, folhas caídas e quedas brusquíssimas de temperatura eu só vi aqui. O dia também se torna gradualmente mais curto, a ponto de ser 17h e nao restar no céu quase nenhuma nesga de sol. Isso é uma coisa realmente estranha é até mesmo perturbadora; parece até que o ambiente conspira para a introspeccao.
O alemao, igualmente, é uma lingua grave, pesada, bonita naquilo que lhe é particular. Seria muito difícil fazer um samba ou um choro em alemao, mas nao existe melhor lingua para cantar, ao som do cravo, "Lass deine Ohren merken auf die Stimme meines Flehens" (Permita com que seus ouvidos percebam a voz da minha prece - religiosidade a parte, é uma frase muito bonita). Como disse Wittgenstein, cada língua é uma forma de vida. A dos alemaes é meio assim, grave e com cara de outono.

A Alemanha (o mundo teutonico em geral, do qual também faz parte a Austria e um pedaco consideravel da Suica) faz parte do Ocidente de uma forma que nós nao estamos acostumados. Nós somos latinos; aqui eles sao germanicos. Dividimos uma série de elementos culturais mas existe inegavelmente uma barreira que nao diz respeito apenas à língua. Aqui é onde o Ocidente é literalmente "Abendland" (terra do Poente, pois tudo me parece mais introspectivo e direcionado para o interior.
O lugar do latino é na rua, na praca, cuja melhor expressao desse espirito eu pude ver em Madri.
O lugar do germanico sao os interiores, a lareira, o salao, o auditorio. Nao que ele despreze a rua e o espaco publico; aliás, muito longe disso. É apenas um modo diferente de lidar com o espaco aberto, mais matutino que noturno, mais deferente que despachado.

Peco desculpas pela falta de cedilhas e (...qual o plural de til?), mas meu teclado é alemao. Tem ü, ä, ö e ß, mas nada de caracteres exquisitos como cedilhas ou acentos próprios às línguas latinas.