sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O que se tira de um seminário em Tübingen




Na última aula do seminário "Aristoteles, Poetik" o assistente do professor - um sujeitinho magro e de espessos óculos redondos chamado Dirk, singelo demais para a erudicao que demonstrou - nos conduziu dialeticamente ao seguinte raciocinio:

a) Primeiro Sócrates, através de Platao (ou Platao, através de Sócrates, o que é mais provável), diz que a arte é condenável, enganosa, conduz ao erro e à ilusao (Rep. X, 598b). Ela é somente imitacao de objetos existentes e, bem por isso, carece de densidade ontológica. A arte nao só está longe da verdade como é sua inimiga, uma vez que distraindo os homens ela os desvirtua do sua vocacao epistemológica.

b) Mesmo nao rompendo com a idéia de imitacao como essencia da arte (Poet. I, 1447a), Aristóteles argumentará justamente o contrário. À saber: arte e poesia sao sim formas legitimas de conhecimento. Justamente por se embasarem na imitacao (mimesis) é que elas possuem seu valor epistemico. Entende-se porque da seguinte maneira:
- Para Aristóteles, todos os homens desejam por natureza o conhecimento (Met. I, 1). Adquirir conhecimento é a própria natureza do ser humano, e todos os seres humanos se satisfazem quando adquirem qualquer sorte de conhecimento;
- Esta satisfacao se deriva do fato de que, para Aristóteles, felicidade é a realizacao de uma potencia existente em sua natureza;
- Na Poética, lemos que é através da imitacao que adquirimos nossos primeiros conhecimentos e que essa capacidade radica em nossa natureza(Poet., IV, 1448b). No mesmo trecho ainda se le que os objetos produzidos pela mimesis satisfazem os homens porque através deles podemos reconhecer os objetos concretos aos quais se referem e também temos a oportunidade de contemplar seres que na realidade nos causam repulsa ou aversao, como "animais repugnantes e cadáveres" (é dizer, podemos conhecer o aparentemente insuportável);
- A essencia da arte é a imitacao. As formas desenvolvidas da poética (Tragédia, Comédia, etc.) radicam na imitacao de homens bons ou maus, bem como de seus feitos e acoes;
- Mimetizar é conhecer. A essencia da arte é a mimesis. Logo, a arte é uma forma de conhecimento, apta a falar da verdade e contribuir para a realizacao da nossa natureza epistemológica.

Como na maioria das vezes, prefiro ficar com Aristóteles, por mais que no fundo Platao seja - paradoxalmente - o mais mimetico dos dois: é um excelente dramaturgo.
Dizem que Aristóteles escreveu diálogos. Pouco importa. O que entrou pra história sob o adjetivo "aristotélico" foram esses tratados que elogiam diálogos, enquanto que Platao produziu diálogos que fazem apologias a tratados, a essa forma grave e tediosa de expor alguma idéia. Bancando o Shakespeare com Sócrates e seus interlocutores, Platao era feliz e nem sabia. Problema é todo dele. Que viva numa cidade sem teatro. Chata e áspera como a "Metafísica".

4 comentários:

Unknown disse...

Do mesmo modo como tu me fizeste sentir desprovido de saber, gostaria de revidar. Talvez de uma maneira mais breve, porém, nem por isso, menos importante. Desenha-me esta estrutura: Isothiazolo[2,3-d][1,2,4]thiadiazolo[2,3-a]pyrazin. Nao tenhas pressa, podes pensar. Amanha certificar-me-ei se fizeste um bom trabalho ou se te sentiste tao impotente quanto eu.
Carlo.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

A propósito, creio que Aristóteles, na notória posicao de um dos mais influentes filósofos no que se refere à anciente filosofia grega, nao apenas transformou esta pré-socrática filosofia grega nas bases da filosofia ocidental - assim como hoje é conhecida -, mas fez muito mais do que isso. Na minha particular opiniao, posso considerar o aristotelismo - nao apenas a parte que se refere à abstração e ao silogismo, mas o aristolismo como um todo - uma evolucao e uma concretizacao dos discernimentos platônicos. Nao entendo - até hoje!!!!!-, entretanto, por que o συλλογισμός só foi exposto em Analíticos anteriores.
Carlo

filosofiadirufrgs disse...

Minhas singelas reflexões sobre a arte me dizem que ela é grande responsável por tornar a vida "vivível" - não que a filosofia não seja, muito pelo contrário. Aliás, a tênue linha que separa as duas muitas vezes é invisível aos meus olhos. O que é, afinal, a música, o teatro senão uma reflexão sobre o que nos cerca e - principalmente - o que está dentro de nós? Creio que ambos os mestres falavam em termos diferentes sobre a mesma coisa: Platão, sobre a filosofia que rege a vida; Aristóteles, sobre a arte de viver.

(Posso estar enganada, mas espero que não... senão vou ter que desconstruir os pressupostos de tudo que já pensei e começar tudo de novo.)